Criatividade computacional:
a etapa antes da inteligência artificial

Se você programar um computador pra fazer uma obra de arte, qual seria o critério para opinar ser ficou bonito, legal, criativo?

Difícil né? Para quem nunca ouviu falar sobre Criatividade Computacional (por sinal, um assunto bastante inexplorado no Brasil) a palestra de Apolinário Passos, feita no palco Criatividade, na última Campus Party 2019, nos ajuda a começar a entender melhor esse assunto que é uma espécie de etapa essencial antes da inteligência artificial – um ramo da ciência da computação que se propõe a elaborar dispositivos que simulem a capacidade humana de raciocinar, perceber, tomar decisões e resolver problemas, ou seja, a capacidade de ser inteligente.

“No Brasil o assunto ainda está superficial, existem alguns experimentos, existem algumas pessoas tentando, eu inclusive faço trabalho de consultor de comunicação pensando em colocar esses sistemas de criatividade computacional na arte, na publicidade, mas um case de criatividade computacional eu não conheço”, responde Apolinário Passos, ao ser perguntado pela nossa equipe.

Segundo Apolinário, criatividade é a filosofia de engenharias de sistemas computacionais que exibem comportamentos que podem ter diferenciais criativos e que são criados pelos humanos para que as máquinas possam operar. Repare: é a criação humana ajudando a máquina a criar.

Crédito Imagem: Patricia Bernal

Quando ensinamos as máquinas a criarem a partir de dados cada vez mais detalhados, fica mais difícil saber se aquilo que viu ou ouviu – e achou super criativo – veio de um humano. Pode ser que você descubra que na verdade quem criou foi uma máquina ou um sistema computacional. Na prática isso pouco interfere no resultado final – que pode ser uma objeto, uma música, uma receita, um artigo. Mas, com toda certeza, vai mexer com quem comprou esse objeto, gostou da música, provou a receita ou leu o artigo. Um robô criou isso? É chocante pensar nessa reação humana, já que o medo de “ser substituído por uma máquina ou robô” é muito grande entre as pessoas.

Melhor do que fugir, é entender qual é o papel do ser humano nessa relação com robôs, máquinas e sistemas operacionais, e assim, descobrir como iremos nos relacionar com eles. Uma das formas de entender e conhecer o processo que gera esses sistemas inteligentes, como por exemplo, o da criação de algo feito por um robô. E é aí que entra o que chamamos de Criatividade Computacional. O estudioso no assunto, Apolinário Passos, explica como é importante o processo criativo do humano ao desenvolver essas ferramentas automatizadas e criativas. Assim como o fato de que essas criações poderão potencializar ainda mais a própria criatividade humana.

Para começar a entender um pouco mais sobre esse universo, trouxemos o histórico dos estágios de desenvolvimento da Criatividade Computacional, tirados da palestra de Apolinário, que trouxe um panorama sobre o assunto desde seu surgimento na década de 60.

Décadas de 1960-1970

Com o surgimento dos primeiros computadores, algumas pessoas já criavam coisas pensando na Criatividade Computacional e logo surgiu a criação de sistemas especialistas. Por exemplo, um grupo de biólogos tentava colocar o conhecimento deles em um sistema especialista para que esse mesmo sistema, unindo e combinando dados, pudesse ter novos insights. Já na década de 1970, ocorreu o primeiro simpósio de Criatividade Computacional, ainda muito exploratório, com testes que envolviam robôs e outras máquinas. Nessa época já existiam pessoas pensando em como criar arte, música, literatura utilizando robôs e máquinas. Um outro exemplo disso foi a criação de um sistema que criava Haikus – um tipo de poesia japonesa com textos curtos com rima. Os resultados dessa experiência feita por robôs foi interessantíssima.

Décadas de 1980-1990

A partir dessas década o assunto avançou bastante. Houve a criação de artefatos criativos feito por máquinas e distinguidos de artefatos criados por humanos. Um exemplo é o pintor AARON. Criado por um software desenvolvido pelo artista e programador Harold Cohen, basicamente o ensinou a pintar. Ele ensinou técnicas de pintura, mostrou um vasto acervo e depois pediu que fosse pintado uma coisa nova. Cohen apertava um botão, ia dormir e o robô ficava lá pintando um quadro de verdade… e então, quando ele acordava, a obra de arte estava pronta, sem um input explícito de como isso seria feito, e criado apenas com os ensinamentos de técnicas de pintura.

Por Harold Cohen Estate

Anos 2000

Começou-se a desenvolver e a refletir melhor sobre este novo cenário. Seja a criação de música, pintura, poesia, ainda faltava uma coisa muito importante pra ser considerado criativo – o tal do porque foi criado do jeito que foi criado ou qual a expressão/intenção contida naquela criação. Por exemplo, se alguém perguntasse para o AARON porque pintou o quadro de tal jeito, ele não saberia responder, porque ele é um sistema computacional que não está preparado pra isso.

O diferente do que tinha antigamente é que a partir dos anos 2000, o sistema não só produzia uma peça, mas explicava a tomada de decisão em linguagem compreensível para humanos (no caso em inglês) e não apenas em linguagem de sistema.

“Para um sistema computacional ser criativo, ele precisa ser habilidoso, saber pintar, fazer música, arte,  precisa ser apreciativo, ou seja, precisa ter algum jeito de entender a própria arte que ele fez, além é claro, de ser imaginativo”, explica Apolinário. E aí que está a grande novidade e evolução do que vamos ver na Criatividade Computacional.

Tem-se debatido muito sobre inteligência artificial, máquinas e automação de trabalhos, mas geralmente, sobre o trabalho criativo se fala que a criatividade é apenas humana. E isso está mudando.

Vamos conhecer alguns dois cases em que foram aplicados esse processo que une a criatividade humana de liderança com as máquinas operantes.

Publicidade

A IBM e a Toyota treinaram o Watson pra escrever títulos e chamadas publicitárias para o seu novo carro. Alimentaram essa A.I. com informações sobre o carro, mostraram chamadas publicitárias que já tinham sido bem sucedidas no passado e a inteligência artificial criou novas manchetes, chamadas, elementos. E então, selecionou as que ela mesmo achou as melhores e, por fim, um redator humano fez a segunda seleção em cima disso. Uma boa ajudinha, não acham?

Chef Watson

Foi a criação de um sistema para gerar receitas culinárias. A ideia era simples: você colocava os ingredientes que tinham na sua geladeira e ele gerava uma receita pra você a partir dos ingredientes que colocou. As receitas sugeridas foram levadas para chefs famosos que ficaram surpresos com as combinações – inclusive acharam muito criativas e saborosas. Existia, inclusive, um fator surpresa que avaliava o sabor, a inovação, a qualidade do prato e o quanto a pessoa iria gostar daquele prato. Para ver o vídeo no youtube, clique aqui.

Gostou? Deu até vontade de experimentar! O fato é que a criatividade completamente automatizada parece ainda estar um pouco distante… Estes sistemas de co-criatividade humano-máquina, na prática são muito pouco usados, porque além desta fase de testes, depois vem uma segunda fase que é a da aceitação e uso das pessoas. Algo que será um processo lento. Mesmo que seja possível imaginar um cenário de total automatização, algo que já fazemos uso é o criatividade aumentada a partir desses sistemas. Como assim?

Um exemplo é o Photoshop. “Quando um designer usa o Photoshop ele está fazendo algo que não poderia fazer no papel, mas ninguém considera o Photoshop um agente criativo que está ali sendo parceiro da pessoa. O Photoshop é uma ferramenta. A transformação que a gente está vendo é que essas tecnologias não sejam apenas ferramentas, e sim sistema de co-criação entre humanos e máquinas”, explica Apolinário. Um exemplo é o fotógrafo Demas Rusli, que a partir da tecnologia de softwares, consegue fazer imagens incríveis – e que fazem um sucesso absurdo no Instagram, com mais de 192 mil seguidores.

Algumas fotografias de Demas Rusli criadas com ajuda de softwares

Existe técnicas ligadas a Criatividade Computacional também são muito úteis na questão da transferência de estilo, no qual você coloca um input de um estilo e ele aprende a copiar o estilo. Por exemplo, um publicitário pode usar a transferência de estilo não só pra imagens, mas nos estilos de escrita. Outra forma de explorar essa ideia seria um sistema de colorização automática de imagens e vídeos que colore uma fotografia de forma automática, no qual o humano é o guia que conduz e fala as preferências dele, como tons de preto e branco, ou colorido saturado, e a máquina aplica. Qual o papel dele? Fazer a finalização e correções pontuais.

Um exemplo prático, porém simples, seriam os filtros prontos que temos em aplicativos como o Instagram. Você tem uma série de opções, e escolhe aquela que prefere para determinada situação. Mas, já imaginou se você falasse para seu Instagram suas preferências e na hora que você fotografasse ele já te desse opções que lhe agradariam, cabendo apenas você decidir e finalizar? Bizarro? Incrível? Depende da sua corrente e estilo de vida. O fato é que antes desses filtros existirem ou essas ideias de interação pudessem ser uma realidade, existiu um cérebro humano criativo dizendo como ele queria esses filtros e como essa relação vai funcionar – e aí que está parte da criação computacional. No futuro a ideia é que os robôs também passem a dar novas sugestões de filtros mediante as informações que ele possui, sugerindo mais opções a você e a ideia da tal co-criação juntos.

“A criatividade do programador e o processo que usa o IA pode ser considerado criativo. Sempre existe o debate de quem está sendo criativo, a máquina ou o programador. No quesito da criatividade computacional, o que buscamos é que a máquina tenha um pouco de autonomia nesse processo criativo”.

“No mundo da moda, já existem sistemas de combinar roupas, você faz um inventário do seu armário e ele mostra uma combinação criativa, e que ao mesmo tempo, é considerada como algo da moda”, explica Apolinário. Lembra do filme “As Patricinhas de Beverly Hills”? Nele havia um sistema que unia o que a jovem tinha no armário e todas as combinações que ela poderia fazer. Isso foi algo amplamente visto no filme dos anos 90, mas até hoje ninguém usa na prática.

Já no cenário da comunicação, existe IAs (Inteligências Artificiais) que criam Ads (advertisement – propagandas online) que se ajustam ao contexto e ao cenário que está sendo colocado, como dados do ambiente. Por exemplo, se estiver chovendo, o robozinho mostrará propagandas de roupas de frio. Em seguida, conseguem avaliar se essas propagandas funcionaram, quais obtiveram melhor engajamento, e em seguida, essas informações criam novas propagandas cada vez mais personalizadas.

Se você quiser saber mais sobre o assunto, nós disponibilizamos o material completo da palestra do Apolinário Passos para você começar a entrar neste universo. Nesse material há cursos para quem quiser se aprofundar, com referências e outros exemplos além dos citados nesse artigo. É só clicar aqui!

Arte da capa: Matt Chinworth

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