Por Marina Cassino de Almeida
Eu tenho certeza que você já viveu este filme antes: você está no seu trabalho ou na sua faculdade e um grupo de colegas está reunido para realizar determinada tarefa. De repente, uma situação delicada acontece e duas pessoas começam a discutir. Na hora de contar a versão para quem não estava ali, você, que presenciou a situação, tem plena convicção do que aconteceu. Mas, ao ouvir a versão da outra pessoa que também estava na mesma cena, percebe que ela teve uma interpretação totalmente diferente.
Ela viu coisas que você não viu. E vice-versa. Ou seja, cada um interpretou o fato de um jeito diferente, ainda que tenham presenciado exatamente a mesma coisa. O que era realidade para um, não era para o outro.
Vou citar uma outra situação que tenho certeza que você já viveu. Um dia, passando de carro ou ônibus por um caminho que você faz todos os dias, percebe um desenho na parede ou uma casa colorida ou árvore enorme que nunca tinha visto e fica pensando: “Nossa, como eu nunca tinha visto isso antes?”.
Sabe por que eu sei que você já viveu essas situações? “Porque eu também já vivi. E todas as pessoas já viveram”. E sabe por que todos nós vivemos isso em comum? “Porque todos nós usamos lentes para enxergar o mundo”.
Hã?
Sim, você usa uma “lente” para enxergar o mundo, mais conhecida por mindset ou mentalidade. Para entender melhor esse conceito, imagine que você comprou um óculos novo de lentes azuis. Quando você finalmente experimenta os óculos, o que acontece com o mundo a sua volta? Tudo ao seu redor passa a ter um tom azulado.
Com o seu mindset acontece a mesma coisa: dependendo de como está a sua lente, a sua mentalidade está programada para funcionar de um jeito e você irá enxergar o mundo da forma A ou da forma B. E isso acontece com todos nós. Mas, as lentes não são iguais para todos. Cada um tem uma lente única, que vai se construindo e moldando ao longo da vida – isso envolve a educação, os ambientes, as experiências e até situações que te ajudaram a entender como tudo funciona ao seu redor.
É por isso que o que é realidade para um, não é necessariamente a realidade para o outro e por isso cada um teu o seu próprio ponto de vista. E, embora tudo isso possa parecer óbvio, ainda assim insistimos em estar certo ou errado em determinada situação. Ignoramos, por exemplo, que há pessoas que enxergam determinada beleza em uma coisa que, para outras, aparentemente não há nada demais – e isso pode acarretar inclusive em uma discussão não-saudável dependendo do nível de certeza das pessoas. Nesse caso, seríamos loucos ou ignorantes? E afinal, aonde quero chegar?
Você certamente conhece pessoas muito criativas que parecem ter um dom especial, não é? Aquelas que sempre têm um momento “ahá” onde “do nada” conseguem ter uma ideia genial que ninguém pensou antes – muito menos você. É até engraçado quando isso acontece: todo mundo se matando para ter uma boa ideia e de repente aquele cara, que parecia até estar meio desencanado do desafio, aparece com A ideia. Dureza, né?
Mas vou te contar uma coisa: esse cara, ou essa menina genial, não são diferentes de você. Dentre outras coisas, o que os faz ser criativos é a “calibragem” de suas lentes. Ao longo dos anos, estas pessoas chamadas “criativas” foram moldando seus “óculos” para que todas as suas experiências fossem sentidas e interpretadas de uma maneira diferente de outras pessoas, porque a maioria de nós entra no piloto automático de fazer/agir/viver/trabalhar. Já quando você usa a criatividade, determinadas situações que sobressaem aos seus olhos são enxergadas de um jeito novo. Ao final, esta capacidade de capturar o mundo de forma diferente vai gerando um enorme repertório de referências que em dado momento se conectam e criam boas ideias.
Como dizia Steve Jobs, “Criatividade é apenas conectar coisas. Quando você pergunta a uma pessoa criativa como elas criaram algo, elas se sentem culpadas, pois não criaram algo de fato, apenas viram alguma coisa. Isso parece óbvio a elas depois de algum tempo.”
E será que há alguma forma de ajustar esses óculos? Criatividade, como eu disse, não é um dom ou poder especial. Todos nós podemos desenvolvê-la e um ótimo exercício é você começar a “calibrar” a sua lente para isso. Como?
Seja + curioso(a)!
Da próxima vez em que estiver andando na rua, faça o exercício de prestar mais atenção aos detalhes. Procure descobrir um mundo diferente do que aquele que você já conhece. Quando vir um desenho em uma parede, ou uma varanda com quadros e plantas em um prédio, pense: o que estas pessoas estavam pensando quando fizeram isso? Como será que elas vivem? Como foi o momento em que elas estavam arrumando ou desenhando isso? Tente “colorir” o lugar onde você vive, com uma cor diferente da que você está acostumado, fazendo mais perguntas a si mesmo ou a alguém. Se você só está enxergando desordem e caos, olhe de novo: o que pode estar escondido em meio a esta bagunça?
Você já percebeu o quanto as crianças são mais criativas do que os adultos? Isso acontece porque elas são curiosas pelo mundo, estão em uma fase de descoberta e de exploração. E olha só que dado chocante:
Uma das pesquisas mais famosas publicadas sobre o assunto, o teste de criatividade do Dr. Calvin Taylor, da Utah University e apresentada no livro “Breakpoint and Beyond: Mastering the Future Today” do Dr. George Land e Beth Jarman, 98% de um grupo de crianças entre 3 e 5 anos, apresentou um desempenho de criatividade correspondente à genialidade, crianças entre 8 e 10 anos cai para 32% , adolescentes entre 13 e 15 anos vão para 10% e apenas 2% dos jovens adultos acima de 25 anos tinham essas habilidades ativas. Terrível, né? Temos que fazer algo!
Logo, para sermos mais criativos, basta nos lembrarmos de como podemos voltar a ser exploradores e curiosos pela vida. No livro de Daniel Goleman, “Espírito Criativo”, a psicóloga Teresa Amabile, autora de diversos livros, entre eles o “Growing Up Creative” e considerada uma das autoridades no assunto, diz “A semente da criatividade já se encontra na criança: o desejo e o impulso de explorar, de descobrir coisas, de tentar, de experimentar modos diferentes de manusear e examinar objetos. Enquanto crescem, as crianças vão construindo universos inteiros de realidade em suas brincadeiras”. Portanto, a dica é: volte a ser aquela criança exploradora, curiosa!
“Os estudiosos sobre criatividade podem até discordar em muitas coisas, mas concordam com isso: A pessoa curiosa é muito mais um estado, do que uma característica pessoal”, diz Ian Leslie, autor do livro “Curious” (compre na Amazon aqui). Segundo ele, nossa curiosidade é altamente responsiva a contextos e ambientes no qual estamos inseridos. Logo, podemos dar um jeito de alimentar nossa curiosidade e nos desenvolvermos ou seremos esmagados pelos que o farão.
Nunca se esqueça: conseguir enxergar um mundo de possibilidades onde a maioria só vê o óbvio (ou obstáculos) e fazer conexões inusitadas que tragam novidades para o mundo em que vivemos, são algumas das coisas que poderão fazer a diferença neste mundo repleto de mudanças aceleradas.
Marina Almeida é co-fundadora do Mosaico Criativo, uma escola online em rede, que conecta pessoas que já entenderam e estão realizando na lógica do Novo Mundo, com aquelas que não querem ficar para trás e desejam se desenvolver para o futuro que já chegou. Adora viajar, ouvir histórias e aprender. No mundo corporativo, atua no Núcleo de Inovação Digital de uma grande empresa, realizando conexões com o ecossistema de Inovação e atuando na construção da estratégia digital.